terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ponto de luz

Acordei, lentamente. Senti os raios solares a queimarem-me a pele, estava quente. Fui abrindo os olhos, lentamente. Quis levantar-me devagar e perceber o que tinha acontecido, corria uma brisa quente. Olhei para a frente mas a claridade dificultava-me a visibilidade, levei a mão à cara numa tentativa de auxílio. Senti o teu cheiro, os meus dedos cheiravam a ti. É um cheiro quente, um aconchego nas noites frias de inverno, há um rasgo de perfume, recordo o teu bom gosto. Estou sentado sem perceber onde, sinto o meu corpo pesado e o meu único pensamento és tu. Recordo que te magoei, a ti, a mim, não percebo como mas estou arrependido. Sinto-me desconfortável, ansioso. Com as minhas mãos tensas agarro a cabeça e pouso os cotovelos nas pernas, fecho os olhos com força e esforço-me para me lembrar o que me fez estar aqui. Sinto-me morto. Tento esquematizar os meus pensamentos, apenas tu e o teu cheiro ocupam a minha mente e eu grito para mim, PENSA. Rompe-me uma lembrança de uma peça de teatro que vi no ano passado, o actor gritava "UM" sem perceber, era o único pensamento que tinha, acompanhado de muitas perguntas. Juntaram-se mais dois actores que ironizavam com a situação do primeiro, ele tinha morrido e não percebera, era o seu primeiro dia. Será? O um não me ocorre. Sinto alguma dificuldade em movimentar-me, o meu corpo está pesado e reparo que estou coberto de um pó meio acastanhado, uma areia demasiado fina. Se estivesses aqui já estavas a fazer desenhos no chão, a marcar as tuas impressões digitais em tudo o que é lado, és tão "ameninada", sempre foste, irritava-me e enchia de uma forma maravilhosa a minha vida. É possível? Ainda me lembro quando te vi pela primeira vez, rias e ficavas séria em segundos, pensei que fosses actriz, juro. Com alguma dificuldade levanto-me e atrevo-me a dar um pequeno passo. Consigo andar e isso dá-me algum alento, sorrio. Continuo sem conseguir olhar em frente, a claridade quase que me cega, olho para as minhas botas sujas de lama seca, são as botas do trabalho. Porque é que não estou a trabalhar? Será que caí numa das obras e estou a sonhar? Ou em coma? Sempre achaste uma barbaridade quando dizia que gostava de viver a sensação de um coma, eu ria à fartazana e tu franzias a testa, eu parava. A minha boca pede água, os meus lábios estão secos e alguns pingos de suor percorrem-me a cara, custa-me engolir e a sensação de arrependimento voltou, despertou o meu batimento cardíaco. Como foi que te deixei ir? Fico assustado com a pergunta que faço a mim mesmo. Como foi que te deixei ir? Como te deixei ir? 
Caio, assim. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Carminho

 (http://ritacarmo.blogspot.pt/)

Carminho, filha da fadista Teresa Siqueira, estreou-se a cantar em público, no Coliseu de Lisboa, com apenas 12 anos. Foi considerada revelação feminina de 2009 com o seu primeiro álbum “Fado”.  

Como nasceu a paixão pelo fado?

O fado esteve sempre presente na minha vida, a minha mãe é fadista há muitos anos e sempre frequentámos casas de fado, anos depois a minha mãe teve a sua própria casa, portanto foi um tipo de música constante na minha infância.

Apesar de cresceres rodeada pelo fado seguiu um caminho diferente: Marketing e publicidade...

Independentemente daquilo que ia fazendo, daquilo que ia estudando, dos objectivos que tinha, sempre cantei fado e por isso sempre pensei que fosse um hobbie e não uma profissão. Chegou a altura de seguir para a universidade e escolhi aquilo que achava que queria fazer, Marketing, só mais tarde é que se veio a verificar que ia optar pelo fado a tempo inteiro.
Depois de acabar o curso fui fazer uma viagem para tentar descobrir um pouco mais de mim, dos meus gostos, descobrir a minha verdadeira vocação. Foi ai que percebi que realmente gostava muito de cantar fado, que tinha meios e condições de fazer disso uma profissão e, então, tomei a minha decisão.

No teu blogue, soldados do cozido, falas dessa viagem. Qual o sítio que mais te marcou? Revela-nos um episódio especial.

Escolher apenas um sítio é difícil, houve vários que me marcara, a Índia, por exemplo, foi um dos sítios mais marcantes, não só pela sua cultura tão diferente da nossa, e tão estranha para nós, mas porque fiz voluntariado que me permitiu conhecer muitas pessoas criando laços muitos firmes.
Tenho imensos episódios especiais. Lembro-me de uma vez, na Índia estar a caminho do trabalho e um macaco roubar-me a comida que tinha na mão. Ainda tentei ir atrás dele, mas não consegui, os macacos são espertos.

Qual foi a área de actuação durante o voluntariado? Como é que isso te ajudou no auto-conhecimento?

Na área humanitária, trabalhei com moribundos, pessoas que estão à beira da morte. O meu trabalho consistia em tentar tornar a vida dessas pessoas mais confortável, proporcionando um pouco mais de dignidade antes de morrerem.
Ajudou-me imenso, ajudou-me a perceber os meus limites, a perceber as minhas aptidões, a descobrir várias formas de poder comunicar com as outras pessoas, através de sinais que nós temos. E, claro, ajudou-me a descobrir a mim mesma.

Quais são as tuas maiores referências como cantora?

A minha grande referência é a minha mãe. Mas durante toda a minha vida ouvi muito Beatriz da Conceição, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Fernando Maurício, Camané, entre muitos outros. Tenho imensas referências.

O que é o fado para ti?

Essa é uma pergunta difícil de responder. A definição de fado é sempre diferente para cada pessoa. O fado é a forma como se sente, como se recebe ou se dá sentimentos. Na minha opinião, é um momento onde há uma troca entre o fadista e os músicos que transmitem os seus verdadeiros sentimentos, ou aqueles que querem traduzir, ao público, e que estes também têm que estar numa disposição para os receber. Por isso considero que o fado passa por uma troca de emoções e de estados de espírito. Não concordo que o fado seja tristeza, para mim o fado é profundo, encara temáticas da vida, como a tristeza, a alegria, a saudade, a espera, o amor de uma forma profunda. São todos sentimentos humanos e que o fado vai buscar aqueles que são mais profundos.

O que representa o álbum “fado”?

Representa 25 anos da minha vida. Os únicos que tenho. Representa um conjunto de fados que descobri, que me ensinaram, que me ensinou a minha mãe, e as pessoas que eu fui ouvindo. Fados que aprendi por iniciativa própria, porque gostava deles ao ouvir outras pessoas a canta-los, e que já os canto desde que aprendi a cantar. Depois outros que foram surgindo ao longo dos anos, não só que fui cantando, como os que fui ouvindo e que agora tive coragem de os interpretar. Representa também o abrir de uma porta para o futuro. Representa ir ao encontro das pessoas que admiro, a escrever e a compor, permitindo coisas novas e inéditas para o meu reportório.

Ainda é possível inovar no fado?

Não sei. (risos) É difícil definir isso, o fado tem tido vários caminhos, e aqueles que ficam são aqueles que o povo, no sentido lato, quer e permite que fiquem. É preciso esperar para ver. Conheço a história do fado na década dos 30 e a forma como isso evolui para a geração da Amália. E foi ela, a Amália, a grande mentora, que permitiu um desenvolvimento e um abrir novos caminhos ao fado, através de novos compositores. Actualmente sabemos e consideramos as alterações e opções estéticas da Amália como algo clássico, como algo que ficou e que assumimos como fado, como nosso. As alterações que estão vindo a ser feitas no tempo actual, considero que só mais tarde saberemos.

Como vê a relação entre jovens e o fado?

Lindamente! (risos) Penso que com a vinda de vários fadistas, como a Mariza, abriram-se portas que têm tido uma grande projecção, tornando o fado mais popular entre os jovens. Eu própria sinto-me lisonjeada porque vejo muitos jovens nos concertos que faço. E reparem, estou a ser entrevistada por jovens. (risos). Eu também o sou, tenho 25 anos e sou igual a todos os jovens da minha idade, não sou diferente por gostar de fado. E é este meu gosto que desperta a curiosidade nos meus amigos, que vão ao meu encontro, aos meus concertos, ao encontro de outros fadistas para descobrir o fado.

                                                                                             Publicado em Março 2010

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Um observador...

https://www.facebook.com/INTOUCH.Photography
Depois de ler o que ela tinha escrito, ele disse:

- Fiquei com vontade de escrever sobre pessoas bonitas e feias. Há pessoas que tu conheces e crias uma imagem bonita dela, tens quase a certeza que quando a conheceres melhor, porque sabes que isso vai acontecer, as tuas expectativas encaixarão na realidade.

- Desculpa interromper-te, mas acho que o que te leva a uma pessoa é sempre a beleza, isso vai determinar se tu queres conhecer ou não, se queres falar ou olhar para o lado e seguir em frente. 

- Não posso negar, acho que tens alguma razão. Mas, repara, tu já criaste uma imagem de alguém com quem nunca tinhas falado, as pessoas fazem isto, fazem-no diariamente, no autocarro, na biblioteca. Ás vezes estou sentado na esplanada ali em baixo e observo, como se fosse a primeira vez, cada pessoa que passa, cada gesto, cada movimento, cada expressão. Crio estórias, faço-lhes uma vida, cheia de sabores e dissabores, mas no fim são todos felizes.

Ela sorri.

- Sim eu sei, estou a brincar, mas não estou a mentir. Faço mesmo isto. Assim como, quando passo por uma casa com janelas ou portas abertas espreito sempre, e imagino uma romance ou um drama partilhado naquelas paredes. Já faz parte de mim, tu, melhor que ninguém, sabes disso. Mas deixa-me retomar à esplanada. Quando estou nesse processo criativo atribuo uma personalidade a cada uma das pessoas, preencho-a com boas características ou menos simpáticas. Quando te conheci, por exemplo, as tuas gargalhadas na mesa do lado chamaram-me à atenção, e o cuidado com que ouvias as pessoas com quem estavas fizeram-me perceber que eras carinhosa, não errei. Não foi a tua beleza que me fez ir ao teu encontro nesse dia, foram as gargalhadas e a harmonia dos teus dedos a brincar com a caixinha dos guardanapos. Estou a derrubar a tua argumentação. 

Ela volta a sorrir

- Não achas que tenho razão? Pelo menos alguma, confessa. Gosto das pessoas que fogem ao comum, aquelas que tu achas que são uma coisa e rapidamente te desarmam. É bom quando isto acontece. Repara que não estou a defender que as pessoas são feias, não, acredito que todos têm a sua beleza, que todos são bonitos por dentro, mas que existem pessoas que não combinam umas com as outras, que as energias são opostas e quase que afirmo que nunca serão amigas. Nunca criarão qualquer tipo de relação a não ser uma sensação amarga. Ao longo da minha existência não tenho falhado muito as minhas avaliações, talvez seja do tempo que dedico à observação, ou à exigência. Tu também és observadora, eu sei que sim...

- Sim, mas evito criar qualquer tipo de análise, porque ao contrário de ti, eu nunca errei numa avaliação...



                                                         (Para João Pedro Lima, um observador)

Call Me


Vens?

 (photo: Josh Sam)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013